Falar na Queda do Homem é tratar do mais trágico evento da história da humanidade, pois todas as tragédias posteriores são devidas a essa. Nenhuma forma de ação humana contrária ao caráter de Deus pode ser encontrada fora das origens do pecado na história do homem. Nenhuma forma de mal vista na história do homem é mais trágica do que a que vemos aqui, pois é aqui que nascem todas as desventuras da humanidade.
Deus criou o homem puro e perfeito, à sua imagem e semelhança. Ele não criou o pecado, o mal. O mal “surgiu dentro do coração de Adão e Eva. A sua causa não foi um mau ambiente, nem a serpente ou o fruto da árvore do bem e do mal. Essas não foram as causas, mas a ocasião. A causa estava no uso egoista da vontade humana de rejeitar a vontade soberana de Deus, desobedecendo-lhe” (ELLISEN, 1993, p. 21). Ao pecarem, desobedecendo a Deus, Adão e Eva fizeram uso do livre asbítrio (poder de escolha). E assim, o pecado entrou no mundo e do casal inicial passou a toda sociedade (Gn 6:11-12).
O homem foi criado inocente e colocado num lugar perfeito, um jardim criado para eles cuidarem (Gn 2:15). Se eles obedecessem a Deus em tudo, eles iriam prosperar: povoariam a Terra com seus filhos (Gn 1:28); submeteriam a terra, alimentando-se, abrigando-se e se vestindo dela (Gn 1:28); dominariam sobre todos os animais (Gn 1:28); trabalhariam para o seu sustento (Gn 2:15); obedeceriam a Deus não comendo do fruto da árvore do Conhecimento do Bem e do Mal (Gn 2:16, 17).
Adão tinha a atribuição de lavrar e guardar o jardim do Éden, mas Deus o alertou seriamente quando o proibiu de comer da Árvore da Ciência do Bem e do Mal. Esse foi o mandamento para testar a obediência do homem, mandamento que ele não cumpriu e por isso ele, Eva e a serpente colheram do fruto de sua ação: a serpente foi humilhada e amaldiçoada (Gn 3:14); a mulher sofreria dores de parto grandemente multiplicadas e seria sujeita ao homem (Gn 3:16); o homem foi expulso do jardim (Gn 3:17-19). Além dessas consequências podemos citar tambem a morte fisica e espiritual (Gn 2:16,17; Is 59:2; Rm 5:12-21) e a destituição da glória de Deus (Rm 3:23). Por causa disso, o segundo Adão (JESUS) veio ao mundo e quando foi tentado (Mt 4:1-11) mostrou como se guerreia contra Satanás.
A Serpente
A nova personagem que aparece no relato de Gênesis três é a serpente. Muitas interpretações têm sido dadas a ela. Alguns pensam que ela é uma apenas uma alusão a Satanás, entretanto, a condenação feita à serpente inclui o animal (rastejar). Outros defendem que, como esse relato é um mito, a serpente simboliza a maldade oposta ao criador, por outro lado, as escrituras se referem a esse evento como fato. Outros preferem supor que a Serpente é de fato um animal que teria sido possuído por Satanás. Gaebelein defende essa posição, observe:
É evidente que essa criatura não era, então, um réptil, como a serpente de hoje. A maldição da serpente a coloca no pó. Esta criatura que Satanás possuía era talvez ainda mais bonita, de modo a ser de grande atração para a mulher.
Particularmente, não tenho problemas com a idéia de que a serpente seja de fato um animal possuído por Satanás, e provavelmente essa é a forma mais simples de se compreender o texto. O termo hebraico “n¹µ¹sh” significa basicamente “serpente”, e é utilizada cerca de 54 vezes em todo o AT. O autor que mais usa o termo é Moisés (9x em Gen e 5x em Num). Desses usos, cinco deles estão no terceiro capítulo de Gênesis (3.1, 2, 4, 13, 14).
Todas as ocorrências desse termo nesse capítulo fazem referência ao animal com quem Eva inicia uma conversa em 3.1. O termo empregado pela LXX para serpente é “ofis”, que Paulo usa para aludir a esse evento em 2Co.11.3:
Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a Cristo.
Esse termo no NT é usado literalmente e com sentido figurado, como por exemplo, na ocasião em que Jesus chama os fariseus de víboras (Mt.23.33). Do mesmo modo que seu cognato hebraico, apenas poucas vezes o sentido do tempo é positivo (Sl 54:4-5; Ec 10:11; Jr 8:17).
Outro detalhe que merece nossa atenção é que “n¹µ¹sh” também é o termo que descreve, em Jó e em Isaías o que conhecemos como leviatã ou dragão (Jo.26.13; Is.27.1), dependendo da tradução. Mais interessante ainda é que em Apocalipse, ambas as descrições são dadas a Satanás:
E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos (Ap.12:9)
Assim, podemos ter certeza que o Moisés aqui faz uma simples referência a Satanás que posteriormente é ampliada nas escrituras. Por outro lado, não posso deixar de compreender que tal serpente seja de fato uma espécie de animal, tal como descrito em Gênesis 3.1. Muito embora tal declaração pareça mais uma vez simplista, entendo que a condenação da serpente por Deus inclui tanto ao animal (rastejarás) como à Satanás (este te ferirá a cabeça).
Concordam com essa opinião Jamieson, A. R. Fausset e David Brown, observe:
“Que a serpente é um animal real é evidente pelo modo simples e não artístico da história e pelas muitas alusões a ela feitas no Novo Testamento. Mas, a serpente foi um instrumento, ou ferramenta de um agente maior, Satanás ou o Diabo, a quem os autores sagrados aplicam, a partir desse incidente, o reprovável nome de dragão, a antiga serpente”.
A árvore do conhecimento do bem e do mal
As opiniões sobre a árvore do bem e do mal são diversas e provavelmente não há consenso entre teólogos sobre sua natureza. Alguns comentaristas preferem entende-las como um símbolo. E.F. Kevan, defende:
”Não se trata de árvores misteriosas, capazes de comunicar vida ou conhecimento, mas sim de símbolos das realidades espirituais. A árvore do conhecimento do bem e do mal foi a árvore que serviu de prova à lealdade e à obediência do homem a vontade do Seu Criador, dando-lhes pelo menos a entender a diferença entre o bem e o mal”.
É bem verdade que o literalismo aqui parece tratar com extrema simplicidade tão controvertido tema, mas há de se convir que o autor parece considerá-lo um fato. Seja como for, temos que reconhecer que o próprio Deus criou tal árvore e, Ele mesmo, a plantou no Éden:
“E plantou o SENHOR Deus um jardim no Éden, na direção do Oriente, e pôs nele o homem que havia formado. Do solo fez o SENHOR Deus brotar toda sorte de árvores agradáveis à vista e boas para alimento; e também a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal (Gen 2:8 ARA)”
Mais controvertida que a própria árvore e sua natureza, é a questão do por que seria necessária a existência de tal árvore? Nesse momento, descartamos a possibilidade de que o autor falasse em um símbolo, pois entendemos que tais árvores foram plantadas por Deus. Isso acentua a dificuldade em se responder a pergunta já lançada: Se não trata-se de um símbolo, mas de uma árvores real, por que o Yahweh Elohim (Senhor Deus) plantaria no Éden (paraíso) e a colocaria à disposição do homem que havia criado à Sua Imagem e Semelhança? Ao refletir sobre o assunto, Adam Clarke escreveu:
“Mas como poderia a aquisição de tal faculdade ser um pecado? Ou podemos supor que faculdade poderia faltar-lhe quando o homem estava em um estado de perfeição? Para isso, podemos responder: A proibição se destina a exercer a faculdade [moral] do homem, e isto deve constantemente ensinar-lhe esta lição de moral, que havia algumas coisas que são adequadas e outras inadequadas para se realizar, e que, em referência a este ponto, a própria árvore deve ser tanto um professor como monitor constantemente. A ingestão de seu fruto não teria aumentado essa faculdade moral, mas a proibição se destina a exercer a faculdade que ele já possuía”
Em outras palavras, Clarke demonstra que a questão não era acrescer nada ao homem como está, pois entende que o homem estava em estado de perfeição. Desse modo, nada lhe faltava, exceto a perseverança, que é uma faculdade a ser exercida. A santidade original do homem estava completa na criação original, mas a possibilidade de desenvolvimento moral e espiritual lhe foi concedida com a criação de tal árvore. Sem ela, o desenvolvimento seria inviável.
Impressiona-me o fato de que Clarke perceba um sentido positivo à árvore, pois ela lhe ensinaria constantemente a necessidade de se confiar nas palavras de Deus e lhe monitoraria suas disposições mentais. Entretanto, as escrituras defendem que a apresentação de tal árvore pela serpente foi tão efetiva que o desejo de ter entendimento tomou conta do ser humano.
Bom, que podemos aprender com a árvore do conhecimento do bem e do mal? Com isso, Clyde Francisco nos ajuda:
“Freqüentemente, o homem moderno é inclinado a pensar que o conhecimento (cultura) resolverá os seus problemas. Contudo, com toda a cultura que a nossa geração obteve, não somos na maioria, tão realizados quanto os nossos antepassados. Gênesis está dizendo que quando a busca do conhecimento substitui a confiança na palavra de Deus, o naufrágio é inevitável. O conhecimento, que é potencialmente bom, destruirá o homem que não tem a fé, para entendê-lo ou direcioná-lo”.
A Lei de Deus no Éden
Uma das informações mais importantes que encontramos no início de Gênesis é o conceito legal que a Palavra de Deus tem. Por ser Ele Criador de todas as coisas, é também Juiz de Todos os atos e por isso, a expressão da Sua vontade constituísse como Regra, Padrão, Canon, Lei para a Criatura.
É interessante notar que o conceito de Lei sempre exige o reconhecimento de um Legislador que tem pode para Impor e que com tal imposição demonstra seu caráter. Para ilustrar esse fato, o convido a imaginar por um momento um síndico de um condomínio que o permite legislar como bem quiser. Após pouco tempo, tal síndico teria prescrito algumas regras para o condomínio, e tais regras falam sobre quem ele é. Se ele defendesse a lei do silêncio, saberíamos que ele tem preferência ao bom convívio, que é reservado, ou até que prefere dormir cedo. Se ele defendesse a lei da não entrada de visitantes após as 22h no condomínio, poderíamos inferir que ele tem excessiva preocupação com segurança, ou que é xenofóbico. De qualquer forma, as leis que prescrever irão falar adequadamente sobre seu caráter e pessoa.
A percepção da nudez foi de que perderam a proteção do corpo que tinham antes da queda – conheceram e enxergaram o mal, sabendo que haveria uma conseqüência para isto. A primeira coisa que fizeram foi cobrirem-se com folhas, tentando afastar o desconforto físico e espiritual que sentiam. O pecado é assim: causa-nos embaraço!
Quem Adão acusou? (Gn 3.12) E a mulher? (Gn 3.13)
Resultados da queda:
1. Conhecimento do mal (Gn 3.22)
2. Perda da comunhão com Deus (Gn 3.23-24)
3. Morte espiritual e física
4. Maldição da terra (Gn 3.19)
5. Dores (Gn 3.16)
6. Expulsão do Éden (Gn 3.23-24)
Por causa da desobediência, o homem perdeu sua comunhão com Deus, foi expulso do paraíso e o pecado passou para todos nós. Não era este o plano de Deus. Mas o homem teve liberdade para decidir se seguia ou não as instruções divinas.
Até hoje, o homem tem liberdade para aceitar ou não a vontade de Deus em sua vida.
A misericórdia de Deus se evidencia em Gn 3.14-15. Também em Gn 3.21. É a “Aliança Adâmica”:
1. Deus promete um Salvador: Gn 3.15
2. Sacrifício de sangue: Gn 3.21 e 4.4
3. Cultivo da terra para alimentação: Gn 3.23
Mesmo o homem tendo o coração inclinado para o pecado, desde a sua queda, Deus, na sua graça e misericordia já traçou um plano lá trás, antes da fundação do mundo. Um plano que mudaria toda história da humanidade: a vinda do Seu Filho Jesus Cristo. Jesus Cristo se tornou maldito ao morrer, uma morte de cruz, e ao fazer isso por todos nós (Gl 3:13). Ele tornou-se o sacrificio perfeito para rasgar o véu que nos separava do Pai. Separação essa que entrou no mundo através da desobediência do primeiro Adão; o pecado faz essa separação: “Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que não vos ouça” (Is 59:2).
O Protoevangelho
O que vemos em Gênesis 3:15 é o Protoevangelho, descrito na Bíblia, onde proto, do grego, significa “primeiro”, “principal”. “O termo grego, evangelion, significando “boas novas”, tornou-se um termo técnico para a mensagem essencial da salvação” (PFEIFFER, 2009, p. 711). É a primeira promessa do Redentor que haveria de vir, Jesus Cristo (Gl 4:4, 5).
“E porei inimizade entre ti [A SERPENTE – SATANÁS] e a mulher, e entre a tua semente [SEMENTE DE SATANÁS] e a sua semente [SEMENTE DA MULHER – JESUS CRISTO]; esta te ferirá a cabeça [JESUS CRISTO], e tu lhe ferirás o calcanhar [SATANÁS]” (Gn3:15).
“O Antigo Testamento é o relato da duas sementes em conflito; o Novo Testamento é o registro do nascimento de Cristo e de sua vitória sobre Satanás por intermédio da cruz” (WIERSBE, 2008, p. 27).
Deus já avisava de antemão que não haveria comunhão entre luz e trevas (Jo 12:46; Jo 1:5; Lc 11:35; 1 TS 5:5). A semente de Satanás e a da mulher, Jesus Cristo, seria inimiga. Ao declarar que Satanás feriria o calcanhar de Jesus, Deus faz alusão ao sacrificio de Jesus na cruz por cada um de nós (Gl 3:13). Jesus morre de forma terrivel, com grande sofrimento, sendo espancado, açoitado e além de tudo, pendurado numa cruz.
Para Satanás foi uma grande vitória. Mas o que ele ainda não sabia, porque ao contrário de Deus, Satanás não é onisciente (que tem conhecimento infinito sobre todas as coisas), nem onipresente (que está presente em todos os lugares ao mesmo tempo) ou onipotente (que pode tudo, poder ilimitado, absoluto), que ao terceiro dia a morte seria vencida e Jesus ressucitaria, com grande poder e glória (1 Co 15:55).
“Jesus enfrentou e suportou tudo isso motivado pelo Seu incondicional Amor pelos pecadores, aos quais, em vida, chamou de ‘irmãos’ e ‘amigos’” (Mt 12:49; 28:10; Jo 15:13) (PAGLIARIN, 2011, p. 437).